
Manifesto do Partido Comunista (Marx e Engels )
Alcir Martins
"Fruto de décadas de colaboração entre Marx e Engels, o marxismo influenciou os mais diversos setores da atividade humana ao longo do séc. XX. O Manifesto do Partido Comunista, obra redigida por Karl Marx e Friedrich Engels, em 1847, é o texto fundador do marxismo. Afirma que o motor da história é a luta de classes e expõe o programa político dos comunistas após a tomada do poder. O texto observa que o poder só pode ser atingido pela derrubada do Estado burguês e pela união dos proletários de todos os países."
O Manifesto foi elaborado no final de 1847, durante o II Congresso da Liga dos Comunistas, em Londres e publicado, pela primeira vez em 1848. De lá para cá, foi traduzido para praticamente todos os idiomas modernos, ganhando grande repercussão nos lugares aonde chegou.
O ano de sua publicação foi particularmente importante para as lutas do proletariado europeu pois neste ano irrompeu-se a luta de classes na França e a organização da classe trabalhadora italiana e alemã que, aliadas as burguesias locais consolidaram seus respectivos Estados Nacionais.
Marx e Engels, apesar de ainda jovens em 1848, (30 e 28 anos respectivamente), já eram conhecidos entre os campos revolucionários da esquerda européia. Já haviam produzido importantes textos teóricos - apesar de que suas principais obras ainda estariam por vir - e já haviam garantido lugares destacados na produção acadêmica e filosófica e na luta política dos trabalhadores.
Na Europa da metade do séc. XIX, a crescente utilização das máquinas diminuía cada vez mais a necessidade de força de trabalho, gerando desemprego e rebaixando as condições de vida dos trabalhadores empregados. É importante lembrar que estamos falando de uma época onde não existiam férias, limite para a jornada de trabalho diária, o trabalho extenuante era aplicado a crianças de qualquer idade, não havia intervalos para descanso ou refeições, os patrões podiam impor castigos físicos aos trabalhadores...
Esta situação traz dentro de si uma contradição: a existência dos donos das máquinas (patrões) e daqueles que só possuem o seu corpo (empregados). A relação que se dá entre estas duas classes sociais opostas é apenas uma: exploração.
A classe Burguesa (proprietária) COMPRA o trabalho daqueles que só possuem a sua força. Neste caso, os trabalhadores, que são muitos, são tratados como mercadorias que valem de acordo com a Lei da Oferta e Procura. RESUMINDO: a burguesia, que possui a propriedade dos meios-de-produção (terras, máquinas, indústrias, etc) dispõe da possibilidade de fazer crescer a sua riqueza material através do desgaste e da exploração constante da força de trabalho (energia, vida...) dos proletários (trabalhadores assalariados).
Nisto encontramos duas idéias chaves - talvez as mais importantes - do Manifesto:
A) As relações de exploração e dominação de uma classe sobre a outra são o motor da História [1]. Segundo o marxismo, a História só se move devido à luta de classes, quer dizer, sempre existiu uma classe explorada e uma exploradora, uma dominada e uma dominante, uma oprimida e uma opressora. Foi assim com senhores e escravos, com barões e servos, com mestres e aprendizes, com burgueses e proletários. E são as disputas entre uma classe e outra que fazem a História andar.
B) Já que a dominação burguesa é baseada na propriedade, a revolução proletário-comunista terá que abolir a propriedade privada burguesa. Como hoje em dia, falar em acabar com a propriedade privada no século XIX causava arrepios nos burgueses e na sociedade em geral. "E agora? Nada mais vai ser meu? E a minha casa? Minhas roupas?"Vejamos o que o próprio Manifesto nos diz, em seu segundo
capítulo:"Nós, comunistas, temos sido acusados de querer abolir a propriedade adquirida pessoalmente, fruto do trabalho do indivíduo, propriedade que dizem ser o fundamento de toda a liberdade, de toda atividade e de toda independência pessoais. Propriedade adquirida, fruto do próprio trabalho e do mérito pessoal! Falais da propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, que antecedeu a propriedade burguesa? Não precisamos aboli-la: o desenvolvimento da indústria já a aboliu e continua a aboli-la diariamente. (...) O capital [2] é um produto coletivo e só pode ser colocado em movimento pela atividade comum de muitos membros da sociedade e mesmo, em última instância, pela atividade comum de todos os membros da sociedade. O capital, portanto, não é uma potência pessoal; é uma potência social. (...) Queremos apenas abolir o caráter miserável dessa apropriação, que fez com que o operário viva unicamente para aumentar o capital e só viva na medida em que o exige o interesse da classe dominante. (...) O comunismo não priva ninguém do poder de se apropriar dos produtos sociais; o que faz é eliminar o poder de subjugar o trabalho alheio por meio dessa apropriação."
Além disso, de romper com a propriedade burguesa, a tomada de poder pelo proletariado transformaria também as relações sociais e familiares, mudaria a educação e os serviços públicos e planificaria toda a produção a partir do Estado. Os autores têm a clareza de perceber que esta intervenção dificilmente acontecerá de forma pacífica, isto é, "a princípio, somente intervenções despóticas conseguiriam atingir o direito de propriedade burguês e as relações burguesas de produção".
Portanto é necessária a elevação do nível de consciência de classe do proletariado para que a tomada do poder seja possível. Após essa tomada do poder, no sentido de suprimir o antagonismo (disputa) de classe, algumas ações seriam tomadas, como por exemplo:
- Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda da terra nas despesas do Estado.
- Imposto fortemente progressivo.
- Centralização do crédito nas mãos do Estado, por meio de um banco nacional com capital do Estado e monopólio exclusivo.
- Centralização dos meios de transporte nas mãos do Estado.
- Unificação dos serviços industrial e agrícola.
- Educação pública e gratuita a todas as crianças.
- Eliminação do trabalho infantil na sua forma atual.
- Combinação da educação com produção material.
Para alcançar este objetivo, os comunistas almejavam construir uma ampla aliança entre os partidos democráticos[3] da Europa, pois era apenas no Velho Mundo que as condições materiais possibilitariam a subversão da sociedade burguesa, pois a maximização das capacidades produtivas é que seria redirecionada com a tomada de poder.
Os próprios autores, em edições posteriores chegaram a sugerir algumas mudanças no texto do Manifesto devido a algumas mudanças nas relações de trabalho, nas tecnologias e nas relações institucionais de poder da época. Hoje em dia vemos que muitas das categorias utilizadas na época foram transformadas e novas formas de trabalho também surgiram, porém, percebemos a atualidade da proposta de 1848, ainda hoje, quando vemos a escalada da tecnologia gerar exclusão e desemprego ao invés de pão; quando vemos a concentração de terras, riqueza, poder e capital nas mãos de poucos grupos ou famílias e quando percebemos a internacionalização das lutas contra esses males. Afinal de contas o mote principal da obra de Marx e Engels é a construção de uma sociedade mais justa e solidária, onde a riqueza e a cultura possam ser desfrutadas como bem universal por todos e todas sem exceção. Essa luta é tão atual hoje quanto há um século e meio atrás!NOTAS
[1] Importante lembrar que não se fala aqui da História humana anterior à invenção da escrita. Este período era praticamente desconhecido até 1847, quando o Manifesto foi escrito.
[2] Capital é, então, toda riqueza capaz de proporcionar renda, ou seja, capaz de gerar mais riqueza. Por exemplo: uma fábrica de sapatos que vale U$ 5mil, em dois meses produz sapatos equivalentes ao valor de U$ 5mil, mas continuará gerando lucro enquanto material e trabalhadores fizerem ela se movimentar. Todo este lucro estará concentrado na mão do proprietário da fábrica (capital) que pagará aos trabalhadores o mínimo possível para garantir seu lucro.
[3] Neste momento, partidos Democráticos representavam ideais e lutas de vanguarda.