terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O Dia da Justiça (há de chegar!)

Acredito que tenha sido em virtude da data do 8 de dezembro: Dia da Justiça.

O fato é que recebi, de diversas e diferenciadas fontes o mesmo texto. Publicado na Folha de São Paulo do dia 04 de dezembro (sexta-feira) e de autoria do sociólogo português Boaventura de Souza Santos , o texto "A contrarrevolução jurídica". O texto chama atenção para um movimento mundial - mas que nós gaúchos já temos vivido duramente - movimento este, causado pela promíscua relação entre as elites políticas, econômicas e judiciárias.

Há certo tempo foi o Ministério Público, em Ata secreta, que buscava decretar o fim dos movimentos sociais agrários; outra hora é a Juíza (ou Promotora?) de São Gabriel que chama de "extremamente profissional" a ação da Brigada Militar que acabou com o assassinato de Elton Brum e fortes indícios de torturas à crinaças do MST.

São nojentas as declarações realizadas sob os holofotes das empresas de comunicação; com a devida assepssia da linguagem jurídica, afirmam buscar a garantia dos direitos de todos, mas naquela velha balança, alguns pesam mais que outros...

Mas o tal feriado forense está aí... dia 8 de dezembro: Dia da Justiça! Instituído pela Lei n.º 1.408, de 9 de agosto de 1951, em seu art. 5.º, como feriado forense em todo o território nacional.

E justiça seja feita: feriado gozado por milhares de trabalhadores/as de diferentes formações e atividades nos órgãos do judiciário e funções de justiça.

Mas como alento para a esperança de que uma outra justiça pé possível,deixo o exemplo de Jacques Alfonsin (leia uma de suas entrevistas sobre ação da Justiça e BM em relação ao MST e entenda a contrarrevolução conservadora em curso)

E o texto do Boaventura está aqui, logo abaixo. Conheça a página do sociólogo clicando na foto.



Boaventura: A contrarrevolução jurídica

ESTÁ EM curso uma contrarrevolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles.

Entendo por contrarrevolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições.

Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência.
A contrarrevolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas.

Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva.
Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional.

Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns.
- Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios. Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos.

Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo.
- Terras indígenas e quilombolas. A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista) uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais.

Quanto a estas últimas, podem ser citadas as "cautelas" para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos "aldeamentos extintos", ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo.
- Criminalização do MST. Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de o dissolver com o argumento de ser uma organização terrorista.

E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento.
- A anistia dos torturadores na ditadura. Está pendente no STF arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar.
Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais.

Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contrarrevolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, 69, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007).