sábado, 23 de julho de 2011

...desejo de mundo!

"Eu tinha passado a vida toda dizendo adeus. Merda! Toda a vida dizendo adeus! Que acontecia comigo? Depois de tanta despedida, o que eu tinha deixado? E em mim, o que havia ficado? Eu tinha trinta anos, mas entre a memória e a vontade de continuar se amontoavam muita dor e muito medo. Eu tinha sido muitas pessoas. De quantas carteiras de identidade era dono?

Outra vez havia estado a ponto de naufragar. Tinha escapado de morrer uma morte não escolhida e longe de minha gente, e essa alegria era mais intensa que qualquer pânico ou ferida. Não teria sido justo morrer. Não tinha chegado ao porto esse barquinho? Mas e se não houvesse nenhum porto para esse barco? Vai ver navegava pelo puro prazer de andar ou por causa da loucura de perseguir aquele mar ou céu luminoso que tinha perdido ou inventado.

Agora, morrer teria sido um erro. Eu queria dar tudo antes que a morte chegasse, ficar vazio, para que a filha-da-puta não encontrasse nada para levar. Tanto suco ainda tinha! Sim, era isso o que tinha ficado em mim ao fim de tanto adeus: muito suco e vontade de navegar e desejo de mundo." 

Eduardo Galeano (Dias e Noites de Amor e de Guerra)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Na luta coerente pela educação (mas não QQER educação!)


Depois de catapultada à condição de celebridade nacional  e arrancar aplausos ao movimento grevista de várias redes de ensino no "Domingão do Faustão", a professora Amanda Gurgel continua repercutindo, com coerência, a luta em defesa da educação  pública, pela valorização d@s trabalhador@s em educação pelo comprometimento de 10% do PIB com financiamento da educação brasileira.


Abaixo reproduzo: 

Carta da professora Amanda Gurgel ao júri do 19º Prêmio PNBE

Natal, 02 de julho de 2011

Prezado júri do 19º Prêmio PNBE,

Recebi comunicado notificando que este júri decidiu conferir-me o prêmio de 2011 na categoria Educador de Valor, pela relevante posição a favor da dignidade humana e o amor a educação. A premiação é importante reconhecimento do movimento reivindicativo dos professores, de seu papel central no processo educativo e na vida de nosso país. A dramática situação na qual se encontra hoje a escola brasileira tem acarretado uma inédita desvalorização do trabalho docente. Os salários aviltantes, as péssimas condições de trabalho, as absurdas exigências por parte das secretarias e do Ministério da Educação fazem com que seja cada vez maior o número de professores talentosos que após um curto e angustiante período de exercício da docência exonera-se em busca de melhores condições de vida e trabalho.Embora exista desde 1994, esta é a primeira vez que esse prêmio é destinado a uma professora comprometida com o movimento reivindicativo de sua categoria.

Evidenciando suas prioridades, esse mesmo prêmio foi antes de mim destinado à Fundação Bradesco, à Fundação Victor Civita (editora Abril), ao Canal Futura (mantido pela Rede Globo) e a empresários da educação. 

Em categorias diferentes também foram agraciadas com ele corporações como Banco Itaú, Embraer, Natura Cosméticos, McDonald’s, Brasil Telecom e Casas Bahia, bem como a políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Gabriel Chalita e Marina Silva.A minha luta é muito diferente dessas instituições, empresas e personalidades. Minha luta é igual a de milhares de professores da rede pública. É um combate pelo ensino público, gratuito e de qualidade, pela valorização do trabalho docente e para que 10% do Produto Interno Bruto seja destinado imediatamente para a educação. Os pressupostos dessa luta são diametralmente diferentes daqueles que norteiam o PNBE. Entidade empresarial fundada no final da década de 1980, esta manteve sempre seu compromisso com a economia de mercado. Assim como o movimento dos professores sou contrária à mercantilização do ensino e ao modelo empreendedorista defendido pelo PNBE. A educação não é uma mercadoria, mas um direito inalienável de todo ser humano. Ela não é uma atividade que possa ser gerenciada por meio de um modelo empresarial, mas um bem público que deve ser administrado de modo eficiente e sem perder de vista sua finalidade.Oponho-me à privatização da educação, às parcerias empresa-escola e às chamadas organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), utilizadas para desobrigar o Estado de seu dever para com o ensino público. Defendo que 10% do PIB seja destinado exclusivamente para instituições educacionais estatais e gratuitas. Não quero que nenhum centavo seja dirigido para organizações que se autodenominam amigas ou parceiras da escola, mas que encaram estas apenas como uma oportunidade de marketing ou, simplesmente, de negócios e desoneração fiscal.Por essa razão, não posso aceitar esse prêmio. 

Aceitá-lo significaria renunciar a tudo por que tenho lutado desde 2001, quando ingressei em uma universidade pública, que era gradativamente privatizada, muito embora somente dez anos depois, por força da internet, a minha voz tenha sido ouvida, ecoando a voz de milhões de trabalhadores e estudantes do Brasil inteiro que hoje compartilham comigo suas angústias históricas. Prefiro, então, recusá-lo e ficar com meus ideais, ao lado de meus companheiros e longe dos empresários da educação. 

Saudações,Professora Amanda Gurgel

PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais

Quer saber sobre o tal PNBE?  Acesse o site http://www.pnbe.org.br/ (inclusive a Carta é comentada e, de certa forma, rebatida. lá!)