Num texto que já data de quase dois anos atrás, Boaventura de Souza Santos, ao analisar a questão cubana, pontua alguns dos principais dilemas da esquerda mundial para o século XXI.
E, apesar do tom ameno e reformista, Boaventura começa delimitando algo fundamental: Esquerda (ser de) é pensar para além do capitalismo.
Esquerda é o conjunto de teorias e práticas transformadoras que, ao longo dos últimos cento e cinquenta anos, resistiram à expansão do capitalismo e ao tipo de relações económicas, sociais, políticas e culturais que ele gera, e que assim procederam na crença da possibilidade de um futuro pós-capitalista, de uma sociedade alternativa, mais justa, porque orientada para a satisfação das necessidades reais das populações, e mais livre, porque centrada na realização das condições do efectivo exercício da liberdade. A essa sociedade alternativa foi dado o nome genérico de socialismo.
Com esta definição, muitos grupos, organizações e partidos já ficam de fora da conversa.
E então a reflexão começa a ficar ainda mais interessante! A crítica ao modelo tradicional (sic) de socialismo marxista formulado a partir dos países de capitalismo avançado – durante muito tempo considerados os únicos lugares onde a experiência socialista poderia florescer. Este pensar desconsiderou, por cerca de um século e meio o potencial revolucionário da América Latina e na África. (Podemos destacar um exemplo dado pelo próprio autor citando a “desobediência” cubana ao apoiar a independência de Angola contrariando os próceres de Moscou ou ainda, a simpatia manifestada por Marx na época da tomada de territórios dos mexicanos pelos “engenhosos” estadunidenses.
Pois esta visão do desenvolvimento das forças produtivas até um limite de exploração e desigualdade insustentáveis como requisitos para a implantação de experiências socialistas foi sendo derrubada pela História; pelo protagonismo camponês, feminista, lgbt, afrodescendente, estudantil, juvenil...
O determinismo economicista que já foi revisado até mesmo na literatura marxiana, hoje é revisto sobre outras bases. O capitalismo precisa ser superado por formas de produção alternativas. Isso desde sempre! A novidade é a percepção de que tal superação e a construção das outras formas de produção passam (passarão / estão passando) pelo implemento de avanços fundamentais nas relações de poder e em especial no debate sobre a democracia:
Podemos resumir esta inovação afirmando que a esquerda decidiu finalmente levar a democracia a sério (o que a burguesia nunca fez, como bem notou Marx). Levar a democracia a sério significa não só levá-la muito para além dos limites da democracia liberal, mas também criar um conceito de democracia de tipo novo: a democracia como todo o processo de transformação de relações de poder desigual em relações de autoridade partilhada.
E aqui entra algo fundamental para o momento da experiência política brasileira: o amadurecimento da democracia com a ampliação dos direitos para largas parcelas da população, iniciada com os dois mandatos de Lula, precisa ser radicalizada no Governo Dilma com o avanço da chamada democracia participativa (ou direta ou colaborativa ou genuína ou contra-hegemônica ou...). Com a ampliação do poder popular e do controle público sobre obras e programas. Investindo em debates setoriais e na construção de marcos regulatórios para setores estratégicos (energia, comunicação, comércio interno e externo, Pré-Sal, etc...), trabalhando na perspectiva do que Boaventura chama de “constitucionalismo transformador” em um “Estado experimental”.
Os desafios são imensos, tanto quanto as possibilidades.
P.S.: Para conhecer o texto de Boaventura na íntegra, com a reflexão sobre Cuba CLICA AQUI.
P.S. ii: Essa é a pauta pra domingo à tarde, logo vê-se que a coisa não está fácil!
P.S. iii: Em breve espero poder escrever sobre algumas democratizações necessárias, desejáveis e urgentes!
Nenhum comentário:
Postar um comentário