Caí de gaiato numa entrevista para o Jornal do Almoço aqui de Santa Maria.
Como de costume nestas situações de luto coletivo, a imprensa tradicional - o PIG - tende a criar e amplificar um clima de tensão e medo imobilizadores, que não permitem - nem querem - o aprofundamento das discussões sobre violência/segurança pública.
Não se questiona as motivações da delinquência; não se buscam alternativas nem propostas. Apenas reverberam a linha editorial de espalhar o medo!
E o pior de tudo não é o que acontece nas entrevistas de rua. O pior ocorre nas ilhas de edição de cada emissora e/ou retransmissora. Dos vários depoimentos colhidos na noite de segunda-feira pelo centro de Santa Maria todos apontavam para os "perigos" de se estar na rua" (sic); o temor que é "enfrentar as ruas"; alguns chegavam a apontar um certo "toque de recolher" sugerindo horários e locais nos quais as "pessoas de bem" ainda podem estar na rua com "menos risco".
Note-se que a cidade ainda guardava um sentimento de choque pelo trágico assassinato ocorrido um dia antes, no amanhecer do domingo, e também sensibilizada pelo Ato de Solidariedade realizado na segunda-feira pela manhã. Além disso, as perguntas da repórter não foram mostradas na matéria veiculada no dia 16/08 (terça-feira).
Vejamos então como foi a conversa (quase na íntegra), dentro do que a memória permitiu guardar desde algumas horas atrás.
1ª cena: Vou atravessando a Praça Saldanha Marinho em direção ao Calçadão, de mãos com minha filha Poliana (4 anos), por volta das 20h30min. Noite já fechada, com o frio peculiar do mês de agosto. Avisto o câmera e a repórter fazedo algumas tomadas externas e, por isso mesmo, vamos dobrando para a esquerda para desviar dali.
2ª cena: A repórter e o câmera apressam o passo em nossa direção. Microfone em punho. Ar de preocupação e espanto, ela dispara:
"O sr. acha que é seguro caminhar com uma criança a essa hora num lugar como esse?"
Ao que, apesar de me sentir quase que confessando um crime, respondi: "Sim. Acho!"
3ª cena: Não satisfeita com o certo ar lacônico do abordado, a repórter insiste na conversa (eu vou acabar cedendo algo útil para a edição!).
"Mas você acha que é possível andar pelo Calçadão?"
Sem pestanejar diante do óbvio:
"Sim. É possível sim."
Isso não bastava para a proposta ediTAtorial da empresa.
"Mas tu passa por aqui com frequência? Não sente um pouco de medo?"
"Não. Não sinto medo. Moro aqui perto. Este é meu caminho (minha cruzada) já passei aqui diversas vezes. Em diferentes horários: noite, madrugada, manhã cedo, tarde..."
Ainda faltava algo. Então, em tom apocalíptico, a repórter lança a informação (já sabida):
"Mesmo após a morte de um estudante aqui mesmo no Calçadão, ainda assim tu achas que a cidade é segura?"
Então, desatei:
"Sim. Apesar de lamentar a tragédia que aconteceu com o rapaz na manhã de ontem e várias outras tragédias das quais somos testemunhas e vítimas todos os dias, é preciso reconhecer a cidade como uma espaço de convívio coletivo, de espaço comunitário. A própria imprensa e a mídia amplificam um clima de temor e de insegurança na sociedade que, muitas vezes é exagerado, desnecessário. Esquecem de fazer a cobrança adequada e a responsabilização do Poder Público quanto à segurança ou, quando fazem, esquecem que segurança é muito mais que policiamento na rua (desde ontem o Centro está mais policiado), mas é preciso a garantia de várias políticas públicas e direitos (...). Este 'terrorismo' da mídia afasta as pessoas da rua, dos espaços de encontro. Eu ainda acredito na rua como local de convivência e de partilha coletivas. Por isso, eu ainda insisto em caminhar!"
E foi por aí a conversa. Acredito que desapontei a "linha" da matéria, até pq, apenas foi incluída a parte em que falo que passo pelo local com certa frequência; mas isso num tom de "Vejam! As pessoas não tem escolha! 'Precisam' passar por ali!".
Apesar disso, foi um exemplar caso de entendimento sobre o perfil dos veículos de comunicação das grandes redes.
No dia seguinte, chegou até mim um belo texto sobre a situação da violência/segurança em Lima, no Peru. Pelo caso e pela abordagem, poderia ser em qualquer lugar. Recomento a leitura no ADITAL.
Por enquanto, sigo aqui, com aquela velha predileção em sentir os gramados (cada vez mais raros), as ruas e as calçadas da cidade batucando na sola dos meus pés. Eu insisto em caminhar!
Afinal, a praça é do povo como o céu é do condor! Não é mesmo?
*As fotos são do álbum de Fabiano Dallmayer, no Facebook. Registro da manifestação do dia 15/08/2011.
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