quinta-feira, 3 de junho de 2010

Fanatismo e Fundamentalismo

Tariq Ali
"Acho que devemos começar a falar sobre uma palavra muito usada nos últimos anos: fundamentalismo. Uma palavra que começa com "F"; e vou agora ligá-la a outra palavra, que é também usada ou que tem sido usada através dos séculos, que é a palavra fanatismo. A palavra fanatismo tem a sua origem nas antigas Grécia e Roma e deriva da palavra fano. Fano se refere a templo ou santuário. Dessa forma, a palavra fanatismo tem, automaticamente, um significado religioso, que se refere a alguém que é um extremista religioso. Esta palavra - fanático - tem sido constantemente denunciada e atacada pelos pensadores do Iluminismo, contrários ao fanatismo e ao racionalismo. Atualmente, essas duas palavras... - e houve um enorme debate nesse sentido, porque alguns se opuseram, da mesma forma como o fez Rousseau contra a maioria dos Iluministas - sem algum grau de fanatismo, não se podem promover mudanças. E, caso você venha a ser como os filósofos Iluministas, afirmou Rousseau, relaxe e aproveite a vida, mas não alcançará nada com isso. Então, como ele afirmou em "Confissões", o fanatismo tem certos valores. Com isso, ele estava querendo dizer que, quando uma pessoa se dirige a uma ação, não tem que ser cem por cento razoável já que, se as pessoas forem total e completamente racionais, não conseguirão fazer absolutamente nada. Este é, portanto, um debate interessante, o qual ocorre desde aqueles tempos. Mas, inicialmente, a palavra fanatismo foi totalmente ligada ao fanatismo religioso. Da seguinte maneira: uma pessoa que, em defesa de seu santuário, de seu templo, igreja, sinagoga ou mesquita, está preparada para fazer o que for necessário para defender o que acha que precisa ser defendido.

Mais tarde, apareceu a palavra fundamentalismo. Esta palavra surgiu, essencialmente, do Cristianismo. Não existe, no idioma árabe, uma palavra para fundamentalismo. Trata-se de uma palavra que apareceu durante as guerras da Reforma, que apareceu mais fortemente durante a ruptura protestante do Catolicismo, e os protestantes costumavam descrever-se a si mesmos como fundamentalistas. As origens dos Estados Unidos da América, um país criado pelos protestantes fundamentalistas - pessoas que fugiram da Grã-Bretanha para tomar o país de outros - enfim, as origens daquele país foram fundadas nesse fundamentalismo. Faz parte da memória histórica dos fundadores e, apesar da constituição dos Estados Unidos ser totalmente secular - porque Jefferson e outros foram guiados pelo Iluminismo -permaneceu um forte rastro do fundamentalismo protestante na cultura americana.

Iniciei com tais colocações para reverter aquilo que é normalmente discutido quando se fala sobre fundamentalismo. De todos os países do Ocidente, os Estados Unidos são o país mais religioso. Basta dar uma olhada nas leis e nas estatísticas que surgem nos Estados Unidos: os números são bastante interessantes. Especialmente em contraste com a Europa ou mesmo com outros países do Hemisfério Sul. Ao se interrogar a população americana, descobre-se que noventa por cento acredita em Deus e setenta por cento acredita em anjos. Sob o meu ponto de vista, seria mais progressivo se noventa por cento acreditasse em anjos e setenta por cento acreditasse em Deus, porque, para esses, os anjos têm um lado surrealista. Podemos imaginar que acreditar em anjos é algo criativo, mas acreditar em Deus presume uma característica sólida, com a qual é difícil romper. Assim que, hoje, depois de um longo período de tempo, há uma administração nos Estados Unidos na qual o presidente é um fundamentalista. Dessa maneira ele se confessa: como um cristão renascido. Que ele renasceu, nós já sabemos e, que ele renasceu como cristão, ele já nos contou. O Ministro da Justiça americano, o general John Ashcroft, é um fundamentalista cristão e inicia seu trabalho, pela manhã, no Departamento de Justiça, segurando as mãos dos colegas e forçando-os a cantar hinos. Alguns dos quais eles escreveram e são maus. Temos, também, o General Boikin, que foi recentemente nomeado como Secretário de Defesa do Departamento de Inteligência. A palavra Inteligência está erroneamente colocada, porque esse general acaba de informar às pessoas que a única verdadeira religião é a sua visão de Cristianismo, que o seu Deus é superior ao Deus do Islamismo, a Alá, e que o seu Deus cristão sempre triunfará sobre Alá; ele continuou, então, a mostrar quão inteligente ele foi ao denunciar o Islamismo como sendo uma religião de idólatras. Qualquer um que tenha estado na escola e que estudou religião comparativa, sabe que há uma característica inerente ao Islamismo que é a de ser totalmente hostil a ídolos, a ponto de Mohamed ter deixado instruções que dizem que nunca deverão existir imagens dele; de que há apenas um Deus e nada mais. Não deve haver nenhuma imagem de pessoas que viveram na Terra. Até hoje, não temos permissão para mostrar imagens de Mohamed e, se forem mostradas, os seguidores se irritarão. Portanto, aí está esse general americano que veste o seu uniforme e vai pregar na igreja todos os domingos para dizer isso - é impressionante. É impressionante por se tratar do país mais poderoso do mundo, o único império mundial, sob o controle de pessoas assim. Esse é o fundamentalismo, o qual eu descrevi como sendo a mãe de todos os fundamentalismos; essa combinação de poder militar e econômico - esse credo particular. Houve um evento muito estranho depois da tragédia de 11 de Setembro. Duas semanas depois, houve um grande encontro num estádio de Nova York e lá estava o Presidente, o grande pensador, próximo ao Reverendo Billy Graham, outro grande pensador e pregador evangélico. E o Reverendo Billy Graham fez um discurso para as pessoas que ali estavam para lamentar a perda das pessoas que foram vítimas do atentado de 11 de Setembro, o qual todo o mundo lamentou. O Reverendo Billy Graham, durante o seu discurso, disse: "Senhor Presidente, eu recebi e-mails e telefonemas de todo o país. Centenas e milhares deles fazendo a seguinte pergunta: como Deus deixou que isso nos acontecesse?" E todos esperaram pela resposta de Billy Graham - afinal de contas, ele é o mais antigo pregador cristão. O que ele iria responder? Todos o olharam, até mesmo o grande-presidente-pensador. E ele respondeu: "Eu tive que responder que não sei".


Portanto, acho que devemos colocar o fundamentalismo em perspectiva. Foi por isso que comecei a falar sobre os Estados Unidos da América: devemos colocar esse fundamentalismo em perspectiva. E o fanatismo também deve ser colocado em perspectiva."


Leia o texto de Tariq Ali, na íntegra no site CONTROVÉRSIA.

Um comentário:

AF Sturt Silva disse...

O caso dos EUA é uma questão bem complexa mesmo,os chamados fundamentalistas,que na verdade eram o nova linha de prostestantes ,os puritanos ,como eles se denominavam ,em visões de alguns intelectuais,foram responsáveis pela indepedência .Tudo isso conquistado devido a uma paronoia imaginaria,originado da religão.Esse mesmo movimento religioso dos EUA,mais tarde denominado "novo envangelismo" foi uma das forças da luta pela abolição.
Então vemos o poder que esses grupos e essa ideologia tem no mundo,no destaque, os EUA.
...
Agora a luta de grupos islâmicos, contra os EUA teriam essa questão como principal ou apenas uma questão de fundo?